Como faturar em dólares

Em um mercado super aquecido, dentro e fora do Brasil, é muito comum oportunidades surgirem a todo momento. E claro, algumas delas vindas do exterior.

O objetivo deste artigo é compartilhar algumas dicas sobre como exportar serviços de desenvolvimento de software. Veja bem, as dicas aqui são fruto de experiência própria e de um boa consultoria contábil.

A ideia é apenas abrir a mente para as pessoas que gostam de empreender e dar algumas informações básicas, que eu mesmo não tive nas primeiras exportações da minha empresa.

Pulando a parte comercial, pois não é o objetivo aqui, podemos partir do momento no qual o cliente aceitou sua proposta e o processo de contratação vai começar. Normalmente os clientes pedem logo no início a assinatura de um termo de confidencialidade (NDA - Non-Disclosure Agreement). E lembre-se, se você não está acostumado a assinar um termo desses, sugiro consultar um advogado para ajudá-lo. Até porque esses documentos normalmente são em inglês, e geralmente usam alguns termos que pode te deixar confuso.

Após o NDA assinado, provavelmente você assinará o contrato. Quando são trabalhos avulsos ou por tempo limitado, a sua própria proposta, em geral, é considerada como um contrato. E em seguida você deve verificar com o cliente como é que ele deseja realizar os pagamentos.

Assim você poderá solicitar que os dados de pagamento também sejam adicionados ao contrato que será assinado. Isto não é obrigatório, mas já facilita o processo.

Como faturar?

Depois da parte burocrática inicial resolvida, você inicia seu trabalho e em breve chega uma das partes mais importante, o faturamento. Diferentemente de um serviço prestado no Brasil, onde normalmente só enviamos uma Nota Fiscal, com no máximo um boleto bancário para pagamento, para empresas do exterior nada disso funciona ou faz sentido.

A Nota fiscal não tem nenhum valor para as empresas estrangeiras e elas também não conseguem pagar um boleto. Aí entra a invoice, ou fatura. Ela nada mais é que um documento, feito por você mesmo, que descreve o que foi realizado de serviço, os valores, a forma de pagamento, os dados bancários, os prazos de pagamento, e os dados das empresas contratante e contratada.

Você pode contruir uma invoice manualmente (veja neste link alguns exemplos, isso mesmo, pode ser no Word ou Excel) ou utilizar alguma aplicação que crie uma pra você. Não posso fazer uma indicação precisa de serviço de invoice, pois o que eu uso parou de aceitar empresas do Brasil. Mas em uma pesquisa rápida cheguei nesse artigo da Wise comparando alguns sistemas.

Se for emitir algumas poucas invoices, faça no Excel mesmo. Só lembre de controlar a numeração que deve ser única em cada Invoice. Lembre-se que a Invoice deve ser em inglês e a moeda dos custos em dólar ou na moeda que foi definida no contrato.

Preciso emitir Nota Fiscal?

Claro que precisa. Porém, a Nota Fiscal só poderá ser emitida depois que você souber exatamente o valor em Real daquele faturamento.

Uhm... mas como vou saber o valor em Real se eu emiti uma invoice em dólar? Você só vai emitir sua Nota Fiscal no momento em que você autorizar o câmbio e souber exatamente o valor em Reais, ou seja, seu faturamento fica em um estado pendente até que você receba em reais.

Esse ponto de só poder gerar a Nota Fiscal quando sabe o valor em reais tem uma vantagem fiscal e uma de fluxo de caixa, pois você garante que só vai ter imposto a pagar após ter recebido. Exemplo: mandei uma invoide no dia 02, o cliente pagou no dia 30 e recebi o dinheiro em reais no dia 05 do mês seguinte; então vou emitir a Nota Fiscal entre o dia 30 e o dia 05, no momento em que eu souber o câmbio. Se a Nota for do mês seguinte, só terei impostos a pagar no mês subsequente, o que me dá uma folga no fluxo de caixa. Porque se fosse uma empresa brasileira o cliente, você precisaria ter emitido a Nota no dia 02, e no mês seguinte já teria impostos a recolher, mesmo que não tenha recebido os valores devidos ainda.

Um ponto de atenção é no preenchimento da Nota Fiscal. Como os sistemas de Nota Fiscais são específicos de cada prefeitura, pode ser que o que eu vou escrever aqui não se aplique, mas consulte seu contador.

No caso da cidade do Rio de Janeiro, onde é a sede da minha empresa, o sistema de emissão de Notas Fiscais da prefeitura não deixa eu cadastrar completamente os dados de uma empresa estrangeira. Fico barrado pelo campo de CEP (pode isso Arnaldo?). Ou seja, eu não ponho o endereço da empresa. Acabo preenchendo só o nome da empresa (razão social que você pode pegar do contrato), telefone e email de contato. Ah, e sem CNPJ né.

Com esses dados básicos, consigo emitir a Nota Fiscal e ficar contabil e fiscalmente com tudo em dia.

Como receber os pagamentos

De maneira geral, existem algumas formas possíveis:

  1. Habilitar no seu banco uma conta internacional;
  2. Utilizar alguma App de transferência de moeda internacional;

Bancos

Os grandes bancos geralmente tem o serviço de criar uma conta internacional, ou simplesmente gerar o código SWIFT para uso. Mas o que é isso? Na verdade é a criação de um tipo de conta onde o cliente poderá fazer uma remessa internacional diretamente do banco dele para o seu. A vantagem dessa solução é que tudo ficará no seu banco, então facilita a gestão. A desvantagem é que geralmente as taxas e o spread são ruins.

Spread é a diferença entre o valor pago por uma instituição financeira ou banco na compra de dinheiro e o valor recebido por ele na venda, empréstimo ou operação feita com esse dinheiro.

Além destes custos citados, os bancos grandes normalmente não oferecem uma boa interface para a operação. Bancos mais modernos e digitais tem oferecido algo mais fácil de trabalhar. Eu uso o Banco Inter em minhas operações desse tipo porque ele não tem taxa e o spread é aceitável. Ele tem um mecanismo mais simplificado, mas ainda funciona totalmente por email para empresas. Você precisa enviar dados da sua empresa para ela ser cadastrada.

Quando seu cliente faz uma remessa, ela geralmente leva cerca de uma semana para que seu banco receba os valores em dólar. No caso do Banco Inter, ele envia um email avisando que chegou uma remessa em uma determinada moeda e pede autorização para fazer o câmbio. Hein? Isso, o dinheiro fica no banco em dólar, ele não vai automaticamente para a conta da sua empresa em reais. Você precisa fazer a "venda" desses dólares.

Para não acharem que estou fazendo propaganda para o Banco Inter, e não estou, é apenas o que eu uso, ele tem um ponto negativo. Ele não tem mais aceitado remessas abaixo de 5.000,00 dólares. No fundo ele recebe, mas não faz o câmbio até que o total recebido de um mesmo remetente alcance esse valor. Então, se você faturar valores menores para seus clientes precisará esperar ou tentar uma exceção com o banco (eu tentei e consegui com eles cobrando uma taxa extra de R$ 150,00).

Vários bancos tem oferecido esta modalidade. Verifique como é o seu banco.

Apps de transferência internacional

Além dos grandes bancos, há várias fintechs (empresas de finanças apoiadas em tecnologia) que já fazem esse tipo de conta internacional. Há algumas bem focadas e acabam sendo bem eficientes e geralmente mais baratas, como é o caso da Remessa Online. Você faz o cadastro da sua empresa, razoavelmente bem facilitado por ser uma empresa totalmente digital, e ela gera seu código SWIFT.

No caso da Remessa Online, a diferença está no processo. Você vai fazer a vinculação de uma conta-corrente do seu banco na aplicação, pois eles não são um banco. Diria que eles parecem mais como uma casa de câmbio que pode receber dinheiro do exterior pra você.

O processo é bem simples. Após cadastrar sua empresa, eles lhe fornecem os dados da conta para transferência internacional (exatamente o mesmo tipo que os bancos fazem). Assim que o cliente faz a remessa, a aplicação envia um email notificando a remessa feita e solicita documentações para registro junto ao Banco Central (os bancos também vão pedir isso).

Normalmente os documentos básicos são o contrato e a invoice. Eles levam 1 dia útil para analisar e liberar o montante. Ainda em dólar. No próprio email que eles te notificam tem um link para clicar e ir para a aplicação fazer o resgate. Nesse momento vão te mostrar o câmbio corrente e você decide se fará naquele momento ou não. Após você solicitar o resgate, basta aguardar uns 2 dias úteis e o dinheiro vai para sua conta no brasil.

As contas internacionais geram o chamado código SWIFT, que é como se fosse uma conta mesmo. Sempre seguem algumas outras informações que são passadas para o contratante poder efeturar a remessa. As empresas grandes normalmente preferem essa modalidade, pois geralmente já tem processos internos com vários fornecedores e apenas adicionam sua empresa no rol de fornecedores. Ou seja, nada muda pra eles.

Geralmente empresas menores nem sempre querem ter a burocracia de fazer remessa internacional, pois ou não sabem fazer ou não querem o custo (sim, geralmente tem custo pra quem envia).  Para este cenário eu utilizo o Veem.

O Veem também é uma fintech, porém ele trás uma facilidade para o seu cliente. Ele não vai precisar fazer uma remessa internacional, porém ele terá que criar uma conta no Veem para poder te pagar. Se você já usou algo como o Paypal, tem certa semelhança (preço não... risos).

Óbvio que você também faz o cadastro da sua empresa, mas é algo bem simples. Você também faz o vínculo com uma conta bancária no seu banco no Brasil.

O seu cliente cria uma conta no Veem e faz um pagamento online com cartão ou transferência local. Assim que este processo é iniciado no Veem, eles já te comunicam e fazem o câmbio no exato momento (diferente dos outros casos que citei que você escolhe a hora de fazer o câmbio). Assim você já sabe o valor que receberá em reais e já poderá emitir a Nota Fiscal.

O processo é todo automático e você só acompanha a transação pela web. No fim do processo o valor a ser recebido é depositado na sua conta automaticamente, sem nenhuma ação sua. Ah, isso é muito bom então? Sim e não.

A vantagem do Veem é facilitar para o cliente, mas toda facilidade trás um custo. Os principais custos são dois: o primeiro é que o spread do Veem é um pouco maior do que o do Remessa Online, por exemplo; o segundo custo é referente a diferença de datas, que pode ser benéfico ou não, pois se o dólar baixar em seguida, você protege o câmbio, porém se ele aumentar, você perde. Se forem serviços recorrentes, na média não importa o valor do dólar (consulte um especialista em finanças que poderá te mostrar isso em mais detalhe).

Impostos

Pronto, fiz todos os passos burocráticos e práticos do faturamento e já recebi meus valores em reais na minha conta. Quais impostos pago a mais para exportar? NENHUM!

Talvez este seja o tópico deste artigo que a maioria dos pequenos empresários não sabem. Exportar alguns tipos de serviços tem incentivo fiscal. Mais uma vez, aqui é apenas uma orientação geral, então validem tudo com seu contador.

Apesar do ISS ser um imposto de competência dos municípios, existe uma lei federal que define algumas isenções do ISS para exportações de serviços. A principal particularidade para desenvolvimento de software é que o resultado do serviço prestado não se verifique no Brasil, ainda que o pagamento venha do exterior. Por exemplo: se sua empresa foi contratada por uma multinacional pra fazer um sistema e eles te pagarão a partir da matriz no exterior, você estará isento se o que foi feito não for utilizado no Brasil. Mas se for utilizado no Brasil, você não fará jus a isenção. Veja a lei aqui e confira com seu contador.

PIS e COFINS em geral também são isentos para esse tipo de exportação. Veja esse artigo aqui para mais detalhes e algumas referências de leis.

Na minha experiência, a exportação trás uma diminuição nos impostos entre 20 e 40%.

Conclusão

A exportação de serviços pode ser algo bem interessante para sua empresa e para você. Tanto do ponto de vista financeiro, visto que temos uma taxa de câmbio hoje muito favorável à exportação (US$ 1,00 = R$ 5,20) e com as vantagens que citei aqui, quanto do ponto de vista de expansão internacional. Você começa exportando serviços e em algum momento pode vir a ter uma nova filial no exterior.

Este artigo foi uma sugestão de alguns amigos, aos quais eu expliquei o que escrevi aqui para clarear que exportação de serviços não é algo complexo.

Por último, reforço a necessidade de ter sempre uma boa consultoria contábil e até um advogado para esses casos.

Lembrando que este artigo não foi patrocinado e as sugetões de serviços descritos aqui são apenas frutos da minha experiência.